Por Raquel Ulhôa e Bruno Peres
De Brasília
Confronto verbal de conteúdo político, como há muito não havia no Congresso, entre os senadores paulistas Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) e Eduardo Suplicy (PT), marcou a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado destinada a debater as denúncias de atos de violência que teriam sido praticados pela polícia na desocupação da comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), em 22 de janeiro.
Proposta por Suplicy, a reunião foi considerada pelo tucano "uma operação política" do PT para atacar o governo de São Paulo. "Um procedimento faccioso, unilateral, que terá como consequência a instrumentalização desta comissão por partidos políticos, no caso o PT e outros grupos em nome dos quais o PT terceiriza o seu radicalismo, o PSTU, por exemplo", disse.
Nunes Ferreira disse que a polícia se preparou para uma ação "sem traumas", mas, nos dias que antecederam à desocupação, líderes comunitários - que ele chamou de "parasitas"- teriam armado um "circo", preparando a comunidade para uma reação. "A Polícia Militar tomou todas as precauções, mas tinha ali gente querendo brincar de insurreição. Pseudorrevolucionários que descumprem ordens judiciais para levar à radicalização de um processo político com vistas a não sei o quê."
O tucano defendeu a discussão de outros episódios em que houve denúncia de violência policiais, em Estados governados por petistas ou seus aliados, como Acre, Distrito Federal e Piauí. Pelo fato de considerar a reunião unilateral e partidária, disse que o governo de São Paulo não havia enviado representantes e ele próprio não participaria da reunião.
"Houve muita mentira falada a respeito desse assunto, mortes que não ocorreram, pessoas que teriam sido feridas, mutiladas, mas de modo algum foram vitimadas por qualquer tipo de ação policial. A história contada pelo senador Suplicy no plenário [de abuso sexual contra moradores] foi relatada dez dias depois, perante testemunhas que eram funcionários do gabinete dele."
Com a voz alterada, Suplicy reagiu mostrando raro nervosismo. "Ele acha que nenhuma pessoa foi ferida. E aqui está o senhor David Furtado, que levou um tiro de policial da Guarda Municipal", disse o petista, ao lado de um dos moradores de Pinheirinho, atingido na coluna. E desafiou o tucano a assistir ao vídeo com cenas e depoimentos de vítimas. "Queira o senador Aloysio Nunes ter a dignidade de ver este filme com as cenas, demonstrando a violência ocorrida. E ele aqui veio dizer que funcionárias minhas fizeram declarações... Elas foram testemunhas da barbaridade ocorrida ali", disse.
"Eu não me intimido com os gritos do senador Suplicy", reagiu Nunes Ferreira. "O senhor quis se colocar como árbitro da minha dignidade, condição que eu não lhe reconheço, senador Suplicy", completou. O petista acabou tomando a iniciativa de cumprimentar Nunes Ferreira, que, por sua vez, ficou na reunião e - sozinho na defesa do governo paulista - debateu com políticos, líderes e moradores de Pinheirinho.
Um dos coordenadores do movimento, Waldir Martins de Souza, rebateu a crítica de Nunes Ferreira, que chamou os líderes de parasitas. "Eu acho que jamais alguém poderia chamar alguém de parasita sem conhecer a sua história, não é senador? (...) Trabalho desde os oito anos de idade. (...) Eu sou um cara trabalhador, com 35 anos de carteira fichada, e não sou nenhum parasita, certo? Parasita, você sabe muito bem o que é, e não sou eu, está bom?"
Conhecido como "Marron", o líder relatou a organização da comunidade e disse que o que houve em Pinheirinho foi um "massacre", um "estupro social". Foi, segundo ele, "o poder do Estado mostrando que pobre não tem vez no Estado de São Paulo".
No dia 22 de janeiro, 2 mil soldados da Polícia Militar de São Paulo foram executar uma decisão judicial de reintegração de posse em favor da massa falida do grupo Selecta S/A, do investidor Naji Nahas. Cerca de 1,6 mil famílias que ocupavam um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados em São José dos Campos (SP), conhecido como favela do Pinheirinho, foram desalojadas.
Às moscas
Apenas 32 dos 594 congressistas - cerca de 5% do total - compareceram ontem ao Senado e Câmara, primeiro dia útil depois do Carnaval. A sessão na Câmara durou menos de uma hora e meia. Isso é raro de acontecer, já que geralmente os deputados presentes usam o espaço da TV Câmara para fazer discursos para as suas bases. Apesar de, segundo a secretaria da Casa, 23 deputados estarem presentes até às 16 horas, só 15 fizeram discursos no plenário. Já no Senado, nove congressistas estiveram presentes. Em nenhuma das duas Casas houve votações, o que deve acontecer apenas na terça-feira da próxima semana. Deputados e senadores já haviam "enforcado" metade da semana que antecedeu o Carnaval. Grande parte deles deixou Brasília na quarta-feira, dia 15.
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