quarta-feira, 14 de março de 2012

Fim do fator previdenciário? Por que?



Por Fabio Giambiagi - Valor 14/03

O fator previdenciário é a Geni da política brasileira, a ponto de o próprio ministro da Previdência se manifestar contra ele. Parte da rejeição decorre do fato de que ele não tem sido bem explicado pelos sucessivos governos. Proponho ao leitor os seguintes pontos para reflexão:

a) Considere uma pessoa A, que começa a contribuir aos 20 anos e contribui ao longo de 35 anos, chegando aos 55 anos com a perspectiva de viver - pela expectativa de vida do IBGE - mais 25 anos, até os 80. Considere também uma pessoa B que tenha contribuído por 35 anos, mas por ter começado a contribuir mais tarde, se aposente aos 60, quando sua expectativa (pelo IBGE) será de viver até os 81 anos. Apesar de ambas terem contribuído pelo mesmo tempo, o INSS pagará benefícios a A durante 25 anos e a B durante 21. O fator previdenciário leva em conta não apenas o período contributivo, mas também o tempo esperado de aposentadoria, ajustando o benefício em função da expectativa de duração do mesmo. Qual é a injustiça disso?

b) Se valesse a idade mínima de 60 anos, sem fator previdenciário, com a exigência de 35 anos de contribuição para o homem, teríamos a seguinte situação: quem começou a contribuir aos 15 anos, com 45 de contribuição e quem começou aos 25, com 35 de contribuição, iriam receber, aos 60 anos, a mesma aposentadoria. Seria justo?

c) No Brasil, quem tem 35 anos de contribuição e menos de 60 anos de idade, aposenta-se com um fator inferior à unidade, ou seja, com um desconto em relação ao salário de contribuição. Já na Europa, em tais circunstâncias, a pessoa simplesmente não poderia se aposentar, por não respeitar a idade mínima - que em vários países começa a ser elevada acima de 60 anos - e/ou o tempo de contribuição - por vezes, de 40 anos.

O fator previdenciário aparece na tabela. Consideremos 3 situações diferentes, todas para um homem (para as mulheres, há algumas diferenças):

Um indivíduo começa a contribuir com 15 anos e se aposenta com 55 (40 de contribuição): o fator é de 0,82 (18% de desconto em relação à média). Pagando 31% do seu salário por 40 anos, receberá 82% dele por 23 anos, pela expectativa do IBGE.

Um indivíduo começa a contribuir com 20 anos e se aposenta com 55 anos (35 de contribuição): o fator é de 0,71. Pagando 31% do seu salário por 35 anos, receberá 71% dele pelos mesmos 23 anos do caso anterior.

Um indivíduo começa a contribuir com 20 anos e se aposenta com 60 anos (40 de contribuição): o fator é 1,00. Pagando 31% do seu salário por 40 anos, receberá 100% dele por 20 anos, face à expectativa do IBGE.

Não é claro onde está a injustiça, especialmente considerando que em geral a viúva do indivíduo herda uma pensão que é paga ainda por vários anos. Tenho recebido críticas dos leitores quando trato do tema e os questionamentos estão associados a três casos:

I) Os injustiçados. São pessoas que contribuíram sobre um teto de 20 salários mínimos (SM) e que foram prejudicadas pela mudança de regras. Aprendi no diálogo com os leitores que muitos têm razão em suas queixas, mas chamo a atenção para o fato de que a perda sofrida quando o teto caiu para 10 SM é independente do fator previdenciário. O ponto é que na opinião dessas pessoas a média está sendo mal calculada, mas o problema nesse caso é o cálculo da média e não o fator previdenciário em si;

II) Os que fizeram uma opção. São pessoas que escolheram se aposentar cedo, pela possibilidade de ter uma renda garantida, à qual passaram a somar a renda de uma atividade à qual começaram a se dedicar ao se aposentar. Anos depois, já inativos, tornam-se dependentes da renda do INSS, afetada pelo fator. É um problema sério, mas trata-se de uma realidade que era conhecida no momento da aposentadoria, uma vez que as pessoas já sabiam que a sua aposentadoria sofreria o desconto do fator; e

III) Os revoltados com o país. São indivíduos com alto grau de informação, indignados não pelo fato de terem que se submeter ao fator previdenciário, mas por isso acontecer ao mesmo tempo em que assistem a escândalos associados a políticos corruptos. Compreendo e compartilho a indignação cívica, mas não faz sentido que as regras de aposentadoria dependam do grau de corrupção do país.

Por essas razões, vale o mesmo que Churchill disse sobre a democracia: "É o pior dos regimes - excetuados todos os outros". O fator é amargo, mas necessário. Sem ele, o país teria virado uma Grécia.



Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010"

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