Valor 12/01
Após oito anos de proximidade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pela concessão dos melhores acordos salariais desde a redemocratização, as categorias que representam os cerca de 1 milhão de servidores públicos estão insatisfeitas com o tratamento dispensado a elas pela sua sucessora. Em 2011 reivindicaram aumento de salários equivalente a R$ 40 bilhões, mas o governo concedeu apenas R$ 1,6 bilhão. Neste ano, Dilma já avisou que as negociações que vierem a acontecer não contemplarão novos reajustes.
Algumas razões sustentam essa sombria perspectiva para o governo do PT, que teve o movimento sindical como um dos mais consistentes pilares durante a sua formação. A principal delas é que o último grande reajuste foi feito em 2007, o primeiro ano do segundo mandato de Lula. Foram R$ 35,2 bilhões divididos em três parcelas anuais até 2010, com resíduos em 2011.
Finalizadas essas parcelas, no ano passado as categorias aguardavam novos reajustes. Segundo o Ministério do Planejamento, da soma das reivindicações Dilma cedeu somente R$ 1,6 bilhão e apenas para a área da educação. E mandou recados de que, se houvesse concessões no futuro, não seria naquele montante pretendido. A justificativa oficial: a necessidade de manter os compromissos fiscais associada às incertezas do cenário econômico internacional.
A explicação pode ser insuficiente para acalmar os sindicatos, que, neste ano, se animam com a possibilidade de afrouxamento na política fiscal por conta das eleições municipais. O funcionalismo pretende obter não só reajustes, mas também melhorias nas condições de trabalho. São mencionadas a falta de estrutura tanto nas fronteiras do país quanto nos novos campi abertos por Dilma e Lula, além da excessiva terceirização e falta de segurança, por exemplo, para os fiscais do trabalho.
O pedido mais vistoso, porém, é de recomposição salarial decorrente de perdas causadas pela inflação acumulada desde o acordo de 2007. O IPCA acumulado no período foi de 24,58 % o que, ao menos por ora, ainda não sensibilizou Dilma. Na gestão Lula, a folha de salários teve crescimento real de 36%, o que representou ganhos importantes para praticamente todas as categorias dos servidores.
"As perspectivas não são boas e as sinalizações de Dilma são piores. Vamos apostar nas negociações até esgotá-las e se elas não avançarem, vamos radicalizar", disse Josemilton Costa, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). Ligada à CUT, o órgão representa mais de 700 mil servidores, quase 70% de todos os funcionários do Executivo nacional. Não bastassem os possíveis efeitos da crise internacional, ele aponta ainda outro fator que tem contribuído para tensionar a relação com a presidente: "Dilma não é do movimento sindical como Lula era. A relação com ela é distante e isso interfere nas negociações."
Tal relato é frequente nos sindicatos ligados ao funcionalismo público federal. Citações como "fomos enrolados", "fomos ludibriados" e "fomos enganados" são recorrentes nas diversas carreiras. O fato concreto que sustenta essa avaliação também é comum. No primeiro semestre, houve promessas por parte do negociador oficial, o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva (veja entrevista com ele nesta página), de que os servidores teriam ao menos parte das reivindicações atendidas. Próximo ao prazo final, a mando do Palácio do Planalto, as entidades foram informadas de que não seriam contempladas com praticamente nada.
"O governo Lula conversava e o governo Dilma também conversa. Só que, com Lula, a conversa tinha consequências. O governo tinha intenção de negociar e dar aumento. Com Dilma não há nada efetivo para oferecer. Há muita conversa e pouca ação", afirma Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindfisco). De acordo com ele, "neste ano as insatisfações vão estourar". "Nós mesmo estamos nos preparando. Se as propostas resultarem em algo que não reconheça as perdas podemos chegar a um movimento para demonstrar a nossa insatisfação."
Não que uma eventual greve seja novidade no governo Dilma. Em 2011, duas entidades, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra) pararam entre 1º de agosto e 26 de outubro.
Só que as outras duas principais entidades educacionais, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) e o Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), não aderiram e seguiram adiante nas conversas com o governo. Foi a única classe que conseguiu tirar algo de Dilma no seu primeiro ano de mandato: promessa de reestruturação da carreira de professor e 4% de reajuste, abaixo, portanto, da inflação.
Esse processo mostrou outra característica da relação com o funcionalismo sob o comando de Dilma, segundo os sindicalistas: a aposta na fragmentação dos interlocutores justamente para fragilizá-los. "O governo estabeleceu com quem queria negociar. Decidimos parar a greve quando vimos que estávamos isolados. Quando você negocia com parte do movimento você enfraquece todo o movimento", afirma William Carvalho, coordenador do Sinasefe.
Ele avalia, porém, que essa estratégia será prejudicada em 2012, tendo em vista que os servidores sentirão ainda mais as perdas com a inflação e já estarão mais preparados para negociar com Dilma, por conta da experiência de 2011. "O governo tem que se organizar porque vai ter que controlar a economia e o ânimo dos trabalhadores. Terá que quebrar nossa unidade de novo, só que com menos dinheiro ainda para gastar. E quem teve acordo abaixo da inflação vai perceber isso."
Essa unidade começou a ser buscada nesta semana, na primeira reunião do fórum que reúne 32 entidades sindicais do funcionalismo federal. Ali foram ventiladas possibilidades de atuação, mas não houve uma definição clara sobre a estratégia a ser adotada neste ano. Se por um lado percebe-se facilmente uma insatisfação geral com Dilma, por outro há divergências quanto ao melhor caminho a seguir.
Isso se deve ao fato de a maioria das organizações sindicais do funcionalismo público, assim como no setor privado, estar vinculada a partidos políticos. Nesse sentido, sindicatos mais favoráveis à greve tendem a ser mais ligados a partidos de oposição à Dilma. Em especial os situados à extrema-esquerda com pouca ou nenhuma representação no Congresso Nacional, como PSTU e PSOL. Consideram, portanto, uma paralisação como o espaço ideal para impor seu discurso. Em outra frente, estão as entidades mais moderadas, muitas delas oriundas do petismo.
Esse quadro ficou nítido com o que ocorreu no setor da educação em 2011. As entidades que fizeram greve, Fasubra e Sindsefe, são mais oposicionistas, embora a primeira seja mais dividida. A que liderou as negociações com o governo Dilma, o Proifes, foi criado em 2004, de dentro do governo Lula. Desde então, desidratou a Andes, que sempre liderou o setor e também é mais ligada à oposição. Só que em 2011, caminharam juntas pela primeira vez.
Dirigente do Proifes, o professor de matemática da Ufscar, Gil Vicente, nega haver governismo na entidade. "Não se pode colocar um debate sindical a reboque de forças partidárias e na nossa avaliação era isso que ocorria. Entidades sempre querendo reajustes inviáveis para gerar conflito. Era greve todo ano e o salário caindo", disse. Vicente classifica a atuação do Proifes como "mais que pragmática, embora independente". Declara ainda haver muitas entidades que "estão aí para fazer a revolução do proletariado e derrubar o capitalismo".
E, ao contrário da maioria dos sindicalistas com os quais o Valor conversou, diz que a situação econômica externa tem tido muito mais influência no curso das conversas com o governo do que a passagem da era Lula para Dilma. Segundo ele, "a greve não está descartada, mas também não está no horizonte". Um alento para a presidente da República.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
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