quinta-feira, 17 de maio de 2012

A criminalização do enriquecimento ilícito



Por Leonardo Machado - Valor 17/05

Com a proposta feita por um grupo seleto de renomados juristas que pretendem criminalizar o enriquecimento ilícito de servidores públicos dentro do contexto do novo Código Penal, estamos vivendo um momento sem precedentes.

Caso essa proposta seja aceita, pessoas que antes pretendiam ocupar cargos públicos com segundas intenções passarão a ter que pensar duas vezes. Atualmente não é crime enriquecer "sem fundamento", ou seja, sem que se tenha uma razão legal para tanto. Nos dias de hoje, pessoas mal intencionadas criam uma aparente razão para o seu estilo de vida incompatível com sua carreira profissional.

A carreira pública jamais deveria ser escolhida por aqueles que buscam riqueza. Deveriam se enveredar por esse caminho aqueles que o fazem por vocação, que buscam estabilidade profissional ou que não são afeitos às pressões e aos riscos da livre iniciativa.

É importante que se diga que todos os servidores públicos, sem exceção, estão sujeitos a princípios constitucionais que se traduzem, acima de tudo e de todos, em princípios éticos fundamentais que devem nortear o desempenho profissional dos mesmos, em estrita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

No momento de sua posse, cabe ao servidor público fornecer cópia da sua declaração de bens por força da Lei nº 8.730/93. Significa dizer que se um servidor público vier a enriquecer por causa de atividades alheias à sua vida pública (direito este que não lhe está sendo tolhido), é justo e legal que o mesmo comprove a origem de seus recursos, observadas as formalidades existentes para garantir a confidencialidade destas informações. Ora, sendo lícita a atividade desempenhada por um cidadão, qual a dificuldade para provar sua renda? Aliás, não deveria ele fazer isso anualmente para o fisco nacional?

De acordo com o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, nosso ordenamento jurídico possui ferramentas capazes de punir indivíduos envolvidos em atos de corrupção e lavagem de dinheiro, faltando apenas criminalizar o enriquecimento ilícito na esfera pública. No entanto, especialistas no assunto afirmam que essa carência legislativa vai além.

Segundo a Controladoria Geral da União, não há corrupção sem que haja corruptor, e pelo que se vê das recentes leis anticorrupção adotadas por inúmeros países, inclusive por todas as outras nações que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), é fundamental punir o corruptor que se beneficia desse tipo de "vantagem".

O Brasil ainda é uma das poucas nações que se limita a responsabilizar - nas modalidades ativa e passiva - as pessoas físicas que praticam o crime de corrupção, deixando de punir a empresa corruptora. São essas empresas, e não simplesmente seus representantes, que buscam vantagens ilícitas para favorecer ou incrementar os seus negócios.

É disso que se trata o Projeto de Lei nº 6.826/2010, que agora está sendo chamado de Lei da Empresa Limpa (www.empresalimpa.org.br), em trâmite em Comissão Especial. Esse projeto responsabiliza, civil e administrativamente, a pessoa jurídica que - por meio de seus executivos, lobistas e representantes - corrompe autoridades governamentais de todos os escalões, de todos os poderes e em todas as esferas, tanto no Brasil quanto no exterior.

Em suma, é um dispositivo legal muito potente, similar à lei americana FCPA (do inglês, Foreign Corrupt Practices Act), que passou a existir em 1977 por causa do escândalo Watergate. Juntamente com a legislação UK Bribery Act, que passou a valer no Reino Unido em julho de 2011, essas leis anticorrupção são cada vez mais temidas no mundo corporativo pelas multas pesadíssimas impostas às empresas infratoras.

No próximo dia 23 de maio, está prevista uma importante votação na Comissão Especial formada pela Câmara Federal para dar prioridade e imprimir velocidade à tramitação do PL 6.826/2010. Especula-se, por outro lado, que aqueles que não desejam essa evolução social estejam tentando barrar a aprovação do texto final do projeto, postergando sua remessa para o Senado.

A Lei da Empresa Limpa é mais do que uma tendência global e, frise-se, foi um dos compromissos assumidos pelo Governo Federal quando da ratificação da Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2000. Dos 39 países que ratificaram a Convenção Anticorrupção da OCDE, apenas Brasil, Argentina e Irlanda ainda não possuem em seu ordenamento jurídico esse tipo de lei que pune a empresa corruptora.

Enquanto o Brasil continuar deixando de cumprir com seus compromissos internacionais em áreas tão importantes como é o combate à corrupção, provavelmente continuará enfrentando dificuldades para receber o reconhecimento que almeja e - de fato - merece.



Leonardo Machado é sócio do escritório Machado Meyer Advogados.

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